Li esse trecho muito interessante sobre como se faziam as construições na Idade Média. É realmente surpreendente de como esses construtores em suas guildas desevolviam seus saberes. Leiam essa parte obtida no
blog Glória da Idade Média:
Em 1459, os mestres-pedreiros de Estrasburgo, Viena e Salzburg,
reunidos em Ratisbona para redigir os estatutos profissionais de suas
lojas, decidiram:
“Nenhum operário, nenhum mestre, nenhum
parlier, nenhum jornaleiro ensinará a quem não for do nosso ofício nem
fez jamais trabalho de pedreiro como tirar a elevação [alçado] a partir
do plano” (J. Gimpel, Les bâtisseurs de cathédrales, Ed. du Seuil,
Paris, 1958, p. 123.).
O parlier – forma germanizada de parleur –
é, de certo modo, um contramestre encarregado de “falar” [parler] aos
companheiros como representante e intérprete do arquiteto nos grandes
canteiros de obras.
Em 1486, o arquiteto alemão Mathias Roriczer,
em sua obra intitulada Livro da Construção Exata de Pináculos, explicou
abertamente esse método, com o auxílio de desenhos que recordam os que
Villard executara 250 anos antes, sem os considerar um segredo. O
princípio da duplicação dos quadrados já se encontra no Tratado de
Vitrúvio. Tanto Villard como Magister II conheciam certamente esse
princípio. Vitrúvio diz-nos tê-lo descoberto ele mesmo num
diálogo de Platão: o Menon. “Platão demonstrou destarte a duplicação,
por meio de linhas desenhadas” (Vitrúvio, I, Introdução). Se o
Carnet de Villard de Honnecourt nos faz pensar nos Cadernos de Leonardo
da Vinci, isso não ocorre por mero acaso e a aproximação nada tem de
fortuita.
Separados um do outro por dois séculos e meio, Villard,
homem da Idade Média, e Vinci, homem da Renascença, tinham recebido
praticamente a mesma formação e a mesma cultura: a das artes mecânicas. Ao redigirem apontamentos de trabalho, resultados de suas pesquisas
pessoais, eles obravam em conformidade com os costumes de seu tempo. Conhece-se a existência de mais de 150 manuscritos técnicos que datam do final do século XIV e começo do século XVI. Da Vinci utilizou os tratados de seus antecessores e de seus contemporâneos, mas é admissível que ignorasse Villard e sua obra.
Foi recentemente provado que numerosas invenções atribuídas a Da Vinci
já existiam nos escritos de engenheiros como Konrad Kyeser, nascido em
1366, Robert Valturio, nascido em 1413, e Francesco di Giorgio, nascido
em 1439, escritos esses que Da Vinci conhecia todos. Anotou de seu
próprio punho um texto de Giorgio. Como Villard, ele também leu
Vitrúvio, cujas obras figuravam entre os volumes de sua biblioteca. Se
Villard parece ter vivido de pleno acordo com os costumes do seu meio
social e o status de sua profissão, Da Vinci reagiu violentamente à
falta de consideração com que os humanistas trataram o técnico que ele
era.
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Relógio astronômico da catedral de Estrasburgo. |
Os iluminadores de manuscritos prestaram aos arquitetos
medievais uma homenagem apropriada, ao representarem Deus, o Pai, como
um arquiteto-engenheiro, medindo o universo com um compasso gigantesco. Silenciosos mas pasmosos progressos: o Relógio Mecânico. A sociedade medieval entusiasmou-se pela mecanização e a pesquisa
técnica, porque acreditava firmemente no progresso, um conceito ignorado
no mundo antigo.
De um modo geral, os homens da Idade Média
recusaram-se a respeitar as tradições que poderiam ter freado seu ímpeto
criador, e Gilbert de Tournai escrevia:
“Jamais
encontraremos a verdade se nos contentarmos com o que já está
descoberto... Os que escrevem antes de nós não são senhores, mas guias. A
verdade está aberta a todos, ela não foi ainda inteiramente possuída”.
(Gimpel, Les bâtisseurs de cathédrales, p. 163)
E Bernard, mestre da escola episcopal de Chartres, de 1114 a 1119, acrescentava:
“Somos anões empoleirados nos ombros de gigantes.
“Por isso, vemos mais que eles e mais longe que eles, não porque a
nossa vista seja mais aguda ou nossa estatura mais elevada, mas porque
eles nos carregam no ar e nos elevam a toda a sua gigantesca altura”.
(J. Le Goff, Les intellectuels au Moyen Age, ed. du Seuil, Paris, 1957,
p. 17 )
A
atitude de um Gilbert de Tournai e de um Bernard de
Chartres levou os homens dessa época a encararem as invenções como coisa
normal e a aceitarem a ideia de que haveria sempre no futuro novas
invenções. A ambição dos inventores não conhecia limites, sua
imaginação ignorava fronteiras e, no entanto, de todas as máquinas
extravagantes que conceberam e por vezes realizaram, uma simboliza a sua
“pesquisa” científica: o relógio.
Se a teoria de Lewis Mumford
sobre a origem beneditina dos relógios mecânicos é hoje controvertida,
as opiniões desse autor sobre o papel da medida do tempo no
desenvolvimento da civilização continuam válidas:
“A
máquina-chave da idade industrial moderna não foi a máquina a vapor, foi
o relógio. Em cada fase do seu desenvolvimento, o relógio é o fato
saliente e o símbolo da máquina.
“Ainda hoje, nenhuma outra
máquina é tão onipresente. Assim, no começo da técnica moderna, apareceu
profeticamente a primeira máquina automática precisa que, após alguns
séculos de esforços, iria pôr à prova o valor dessa técnica em cada ramo
da atividade industrial.
“Permitindo a determinação de
quantidades exatas de energia (portanto, a padronização), a ação
automática e, finalmente, o seu próprio produto, a saber, um tempo
exato, o relógio foi a primeira máquina da técnica moderna.
“Conservou a preeminência em todas as épocas. Possui uma perfeição a que
as outras máquinas aspiram” (L. Mumford, Technique et civilisation, ed.
du Seuil, Paris, 1950, pp. 23-24.).
(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas)