O blogueiro Guy Franco no site Yahoo Notícias postou uma analíse bem engraçada da
obra “Quero te Dar”, de Valesca Popozuda, nossa grande pensadora contemporânea.
Nesse texto contém
algumas notas sobre a música
que poucos perceberam
as referências intelectuais que ela usa em suas letras aparentemente
simples.
Amor, tá difícil de controlar
Popozuda parece sugerir a Summa Theologiæ, de
Santo Tomás de Aquino, que nos apresenta as virtudes humanas, dentre
elas a prudência. A prudência, virtude intelectual essencial ao homem de
bem, é uma das principais virtudes cardeais, ao lado das virtudes
morais da justiça, fortaleza e temperança. Cumpre observar a maneira
hábil com a qual a autora começa a obra, usando “amor”, recurso tão
batido, mas tão preciso aqui.
Há mais de uma semana/Que eu tento me segurar
A discussão já vem de Aristóteles (383 – 322
a.C), mas foi tomada por virtude moral pelo Doutor Angélico e retomada
agora por Popozuda. Para Popozuda (ver os DVDs Tsunami e Tsunami II), a
virtude consiste em viver segundo a natureza. Como a natureza humana é
racional, para viver a felicidade plena é preciso buscar o bem, ou seja,
a conservação dessa natureza, que no caso é “se segurar”, e não seguir
os instintos, apenas.
Eu sei que você é casado
Difícil não pensar aqui em passagens do
Levitício ou no Sermão da Montanha do Novo Testamento. Difícil não
pensar em Emma Bovary (Flaubert) ou em Victoria Beckham (David Beckham).
Como é que eu vou te explicar?
Aqui a consciência popozudiana começa a se
questionar. Durante a elaboração da pergunta, um desenho inconsciente
toma forma na cabeça de quem ouve o trecho com a devida atenção (usando
fones de ouvido).
Essa vontade louca/Muito louca
Ou: Diese sehr verrückt verrückten Wunsch (ler Além do Bem e do Mal)
Segundo Nietzsche, mesmo a “vontade louca, muito louca” ainda contém em si um pouco de sanidade (ler Marcia Tiburi).
Eu posso falar?
A pensadora dirige-se ao patriarcado. O
trecho funciona como transição para o tema principal da obra
popozudiana, a mulher submissa, que aqui precisa pedir permissão para
falar com um homem.
Quero te dar, quero te dar
A passagem, sem sombra de dúvida, vem de
Wittgeinstein. O verso é uma dessas construções elegantes que fez a fama
da nossa pensadora quando ela ainda era integrante da Gaiola das
Popozudas. Afinal, ela quer dar o quê? Para quem? E o que ela está
usando na cabeça? Onde comprou aquilo?
Quero te.../Quero te...
Observe com que delicadeza ela combina o tema
do patriarcado com o romantismo. As reticências ecoam em nossa cabeça.
Bonito e comovente.
Dá dá dá dá dá dá dá dá dá dá
Dá (да), "sim" em russo. No pensamento
popozudiano, a sociedade joga às costas das mulheres um fardo de
inferioridade, de maneira que elas são obrigadas a dizer “sim” (да) o
tempo todo. A sociedade machista é a sociedade em que a mulher não pode
dizer não. Paralelamente, “dá” é também a pronúncia de "pai" em algumas
regiões do Reino Unido. Talvez a pensadora pretendesse ligar a submissão
(mulher que só pode dizer "sim") com a figura do patriarcado (o pai, o
Papa, o cacique político).
Meu nome é Valesca
Valeska, diminutivo de Valeria em várias
línguas eslavas. É bem provável que ela esteja se referindo a Santa
Valeria de Milão, torturada no ano de 287 d.C por ter se recusado a
fazer sacrifícios em nome de deuses pagãos. Valesca, a nossa Valerinha
de Irajá, também recusa o que lhe é imposto. Neste caso, o patriarcado é
o seu imperador Diocleciano; o machismo, os seus deuses romanos.
E o apelido é "quero dá”
Ou: quero sim. Embora se chame Valesca, para a
sociedade ela ainda é a mulher submissa que só pode responder “sim” -
daí o apelido.
Ai, ai que vontade louca/Difícil de controlar
Peço que ignore esses versos caso não tenha lido
O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Pouparei o leitor de spoilers.
Tô tô tô tô tô tô tô tô
Perceba como a repetição da sílaba cria uma
linha melódica como se fosse o eco de uma martelada, de um som metálico.
Nota-se a sugestão de fábrica, de processo industrial. Difícil não
pensar em Pierre Schaeffer, Stockhausen e outros compositores
experimentais, pais da música eletrônica que conhecemos hoje.
Tô doidinha pra te dar
Aqui tem algo que me faz pensar. Que
incidente teria levado Popozuda a ficar doidinha de uma hora para a
outra? Esse incidente teria alguma relação com o homem casado? Ele tem
filhos? Com quem ela está desabafando tudo isso? E por que quando a
observamos de lado parece que ela vai tombar?
Quero te dar beijinhos
Talvez uma forma indireta de dizer “eu te amo” (ver Senhor dos Anéis).
Vem cá, vem cá, vem cá
É quase certo que Popozuda tenta incorporar
aqui algo que remete às lendas folclóricas, talvez ao canto da sereia. O
trecho final fica em suspenso. Nesse ponto talvez seja melhor o ouvinte
se deixar levar pelo canto de Valesca.