sábado, 10 de maio de 2014

Análise bem humorada da filosofa Valesca Popozuda

O blogueiro Guy Franco no site Yahoo Notícias postou uma analíse bem engraçada da obra “Quero te Dar”, de Valesca Popozuda, nossa grande pensadora contemporânea.

Nesse texto contém algumas notas sobre a música que poucos perceberam as referências intelectuais que ela usa em suas letras aparentemente simples.


Amor, tá difícil de controlar
Popozuda parece sugerir a Summa Theologiæ, de Santo Tomás de Aquino, que nos apresenta as virtudes humanas, dentre elas a prudência. A prudência, virtude intelectual essencial ao homem de bem, é uma das principais virtudes cardeais, ao lado das virtudes morais da justiça, fortaleza e temperança. Cumpre observar a maneira hábil com a qual a autora começa a obra, usando “amor”, recurso tão batido, mas tão preciso aqui.
Há mais de uma semana/Que eu tento me segurar
A discussão já vem de Aristóteles (383 – 322 a.C), mas foi tomada por virtude moral pelo Doutor Angélico e retomada agora por Popozuda. Para Popozuda (ver os DVDs Tsunami e Tsunami II), a virtude consiste em viver segundo a natureza. Como a natureza humana é racional, para viver a felicidade plena é preciso buscar o bem, ou seja, a conservação dessa natureza, que no caso é “se segurar”, e não seguir os instintos, apenas.
Eu sei que você é casado
Difícil não pensar aqui em passagens do Levitício ou no Sermão da Montanha do Novo Testamento. Difícil não pensar em Emma Bovary (Flaubert) ou em Victoria Beckham (David Beckham).
Como é que eu vou te explicar?
Aqui a consciência popozudiana começa a se questionar. Durante a elaboração da pergunta, um desenho inconsciente toma forma na cabeça de quem ouve o trecho com a devida atenção (usando fones de ouvido).
Essa vontade louca/Muito louca
Ou: Diese sehr verrückt verrückten Wunsch (ler Além do Bem e do Mal)
Segundo Nietzsche, mesmo a “vontade louca, muito louca” ainda contém em si um pouco de sanidade (ler Marcia Tiburi).
Eu posso falar?
A pensadora dirige-se ao patriarcado. O trecho funciona como transição para o tema principal da obra popozudiana, a mulher submissa, que aqui precisa pedir permissão para falar com um homem.
Quero te dar, quero te dar
A passagem, sem sombra de dúvida, vem de Wittgeinstein. O verso é uma dessas construções elegantes que fez a fama da nossa pensadora quando ela ainda era integrante da Gaiola das Popozudas. Afinal, ela quer dar o quê? Para quem? E o que ela está usando na cabeça? Onde comprou aquilo?
Quero te.../Quero te...
Observe com que delicadeza ela combina o tema do patriarcado com o romantismo. As reticências ecoam em nossa cabeça. Bonito e comovente.
Dá dá dá dá dá dá dá dá dá dá
Dá (да), "sim" em russo. No pensamento popozudiano, a sociedade joga às costas das mulheres um fardo de inferioridade, de maneira que elas são obrigadas a dizer “sim” (да) o tempo todo. A sociedade machista é a sociedade em que a mulher não pode dizer não. Paralelamente, “dá” é também a pronúncia de "pai" em algumas regiões do Reino Unido. Talvez a pensadora pretendesse ligar a submissão (mulher que só pode dizer "sim") com a figura do patriarcado (o pai, o Papa, o cacique político).
Meu nome é Valesca
Valeska, diminutivo de Valeria em várias línguas eslavas. É bem provável que ela esteja se referindo a Santa Valeria de Milão, torturada no ano de 287 d.C por ter se recusado a fazer sacrifícios em nome de deuses pagãos. Valesca, a nossa Valerinha de Irajá, também recusa o que lhe é imposto. Neste caso, o patriarcado é o seu imperador Diocleciano; o machismo, os seus deuses romanos.
E o apelido é "quero dá”
Ou: quero sim. Embora se chame Valesca, para a sociedade ela ainda é a mulher submissa que só pode responder “sim” - daí o apelido.
Ai, ai que vontade louca/Difícil de controlar
Peço que ignore esses versos caso não tenha lido O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Pouparei o leitor de spoilers.
Tô tô tô tô tô tô tô tô
Perceba como a repetição da sílaba cria uma linha melódica como se fosse o eco de uma martelada, de um som metálico. Nota-se a sugestão de fábrica, de processo industrial. Difícil não pensar em Pierre Schaeffer, Stockhausen e outros compositores experimentais, pais da música eletrônica que conhecemos hoje.
Tô doidinha pra te dar
Aqui tem algo que me faz pensar. Que incidente teria levado Popozuda a ficar doidinha de uma hora para a outra? Esse incidente teria alguma relação com o homem casado? Ele tem filhos? Com quem ela está desabafando tudo isso? E por que quando a observamos de lado parece que ela vai tombar?
Quero te dar beijinhos
Talvez uma forma indireta de dizer “eu te amo” (ver Senhor dos Anéis).
Vem cá, vem cá, vem cá
É quase certo que Popozuda tenta incorporar aqui algo que remete às lendas folclóricas, talvez ao canto da sereia. O trecho final fica em suspenso. Nesse ponto talvez seja melhor o ouvinte se deixar levar pelo canto de Valesca.


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Catulo 16 e a censura

Pedicabo ego vos et irrumabo
(Gaius Valerius Catullus)

Se você não é fluente latim, saiba que a frase acima é o primeiro verso de um poema considerado o “mais sujo escrito em qualquer idioma” e que demorou 20 séculos para que alguém se arriscasse a traduzi-lo por inteiro. Antes, em algumas partes do poema, o conteúdo era atenuado ou, simplesmente, cortado.
Trata-se de “Carmen 16” – também chamado de “Catulo 16” -, escrito pelo controverso poeta romano Caio Valério Catulo, que viveu no século 1 a.C., no final do período republicano. Ele pertencia a um grupo de poetas que queria romper com o passado literário romano, apelidado ironicamente por Cícero de “poetas novos”.

Catullus at Lesbia's por
Lawrence Alma-Tadema (1836–1912)
Essas “singelas” palavras de Catulo eram dirigidas a Marco Fúrio Bibáculo – poeta que teve um caso com seu namorado – e a Marco Aurélio Cota Máximo Messalino, cônsul na dinastia júlio-claudiana. Os dois acusavam os versos de Catulo de serem “suaves demais”. Ele, enfurecido pelas críticas, decidiu mostrar que conseguia fazer uma poesia mais pesadinha.

“Carmen 16” marcou a história da literatura pela longa censura e obscenidade, ao tratar temas que desafiavam o decoro e a moral romana. O poema serviu de inspiração, séculos depois, para autores como o americano T. S. Eliot e o francês Charles Baudelaire.

Leia a tradução completa do poema, realizada por João Ângelo Oliva Neto.

Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,
que por meus versos breves, delicados,
me julgastes não ter nenhum pudor.
A um poeta pio convém ser casto
ele mesmo, aos seus versos não há lei.
Estes só tem sabor e graça quando
são delicados, sem nenhum pudor,
e quando incitam o que excite não
digo os meninos, mas esses peludos
que jogo de cintura já não tem
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)
já lestes, me julgais não ser viril?
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.


Versão original em latim.

Pedicabo ego uos et irrumabo
Aureli pathice et cinaede Furi
qui me ex uersiculis meis putastis
quod sunt molliculi parum pudicum
nam castum esse decet pium poetam
ipsum uersiculos nihil necesse est
qui tum denique habent salem ac leporem
si sunt molliculi ac parum pudici
et quod pruriat incitare possunt
non dico pueris sed his pilosis
qui duros nequeunt mouere lumbos
uos quod milia multa basiorum
legistis male me marem putatis
pedicabo ego uos et irrumabo 


Catullus XVI
(Gaius Valerius Catullus)