quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Personagens da história


Sempre conhecemos os personagens que são conhecidos dos livros de história e os que atualmente participam do mundo real servindo de referência ao público em geral mas... Quem foi Flora Tristan, a pioneira do movimento socialista feminista? Isso, você saberá agora ao ler esse texto publicado n'A Raposa Preppie.
 
Flora Tristan
Flora Tristan (1803-1844) não representa uma figura filosófica, como Marx ou Lukács representam claramente, mas sim uma figura da luta dos direitos das mulheres, do fenômeno do feminismo e, sobretudo, da união de socialismo e feminismo com o objetivo de alcançar uma sociedade mais justa, mais livre e mais feliz. 

A vida e o trabalho de Flora acerca das primeiras conceituações de feminismo e, principalmente, de socialismo são ofuscados por figuras masculinas, como Fourier, Saint-Simon e Proudhon, decorrente de uma sociedade extremamente patriarcal. Assim, faz-se mister que reconheçamos não só o trabalho de Tristan, como também todo o conjunto que sua luta representa; suas militâncias; e sua falta de reconhecimento na academia, nos debates e no meio editorial (há pouquíssimas obras traduzidas no Brasil).

No dia 7 de abril de 1803, na França, nascia Flora Tristan, filha ilegítima de um aristocrata peruano e uma plebeia francesa. Ainda nova, perde seu pai e é submetida a trabalhar como operária têxtil e gráfica, resultante de dificuldades financeiras – as quais passou pelo resto da sua vida. Na juventude, nunca foi à escola e foi alfabetizada pela mão (uma costureira sumi-analfabeta), no entanto, tornou-se uma exímia escritora. Pois, antes de tudo, ela escrevia a voz do povo – da proletária e da proletária – para o povo.

Com 17 anos, pelas pressões maternas, foi obrigada a casar-se, tendo três filhos dessa relação. Na época, com a restauração monárquica, havia a impossibilidade legal de se divorciar. Por isso, fugiu, mas foi levada à prisão por seu marido, o qual, mais tarde, a alvejou com dois tiros. O marido fora condenado, enquanto Flora – que não pôde extrair as balas perto do coração – dedicou seu curto período de vida, com frágil saúde, à escrita, ao socialismo e ao feminismo.

Os socialistas franceses, ditos críticos-utópicos, tais como Fourier e Saint-Simon, nutriam de uma visão, na época, progressista acerca do papel das mulheres. Charles Fourier, por sua vez, foi citado por Friedrich Engels, de forma bela, no seu clássico: “Do socialismo utópico ao socialismo científico”: “Ainda mais mordaz é a crítica que (Fourier) faz das relações sexuais da burguesia e a posição social das mulheres. É o primeiro a declarar que, em determinada sociedade, o grau de emancipação geral se mede pelo grau da emancipação da mulher”. Em contraposição, gigantes do pensamento político, como Rousseau (ideário máximo da Revolução Francesa, a qual deixou as mulheres por fora. Nesse sentido, Olympe de Gouges destaca-se com “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” em reposta a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”) e Voltaire, eram contra a emancipação feminina.

O jovem Karl Marx, no artigo “Sobre o suicídio”, já explicita a opressão das mulheres relatando casos de suicídios decorrentes da sociedade patriarcal. Mais tarde, em “A Sagrada Família”, junto com Engels, desmistifica diversos preconceitos acerca da mulher, com um ótimo estudo antropológico. Portanto, o movimento socialista foi um pioneiro na defesa das mulheres.
Se expressa, logo, no pensamento de Tristan, um ápice inegáveis das primeiras defesas socialistas feministas. Futuramente, Rosa Luxemburgo (1871-1919), militante revolucionária marxista, aparece-nos como outra grande expoente do movimento socialista feminista.

Em 1838, Fora Tristan publica “Peregnations of a pariah” (Viagens de uma pária), uma série de relatos acerca de suas viagens, sempre mantendo o caráter feminista. Agora, por que “pária” no título? Ora, Tristan dizia: “Eu sou uma pária”, pois a classe feminina, em pleno Código Civil Napoleônico da França, era a mais rebaixada, submissa e oprimida de todas. Segundo ela, as mulheres eram proletárias do proletariado, ou seja, oprimidas pelos já oprimidos – e em escala maior.
Já em 1840, é publicado “Promenades dans Londres” (Passeios por Londres). Para esse livro, a escritora visitou inúmeros lugares de Londres, que ela chamava “cidade monstro”, relatando a imensa miséria dos trabalhadores e trabalhadoras. A ambição, a ganância tornava aquela cidade um grande poço de alienados e explorados. Além disso, Flora foi uma das primeiras, senão a primeira, a relatar casos específicos da opressão na classe feminina: a prostituição, as empregadas domésticas, etc. E, ademais, um ponto essencial da obra de Tristan, explícito nesse livro, é a consideração da classe feminina; a explicitação que existe o sexo feminino. 

Cinco anos antes do famoso “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, de 1848, Flora já havia lançado um apelo a todos os proletários, sem distinção de sexo nem nacionalidade. Dessa forma, a famosa frase que termina o Manifesto de Marx e Engels: “Proletários de todo mundo, uni-vos”, também já havia sido expressa, claro, em outras palavras, por Flora Tristan em: “The worker´s union (União Operária). Flora submeteu-se à ajuda coletiva para a publicação desse livro, de pessoas que simpatizavam com a causa, pois nenhuma editora - mesmo as mais radicais - gostariam de publicar um livro acerca do feminismo socialista. 

Além da união de todos os proletários, destaca-se a primeira manifestação do sexo feminino na classe operária, ou seja, que a classe operária tem dois sexos. 

“Com um cálculo bem simples, demonstrei aos operários que eles próprios possuem uma riqueza imensa que podem se quiserem se unir, fizer milhões e mais, milhões com seus centavos”, diz Tristan. Segundo a escritora, o proletariado: “É a classe mais numerosa e a mais útil”. Sendo assim, diz ela: “Operários, vocês são infelizes, sim, não há dúvida; mas de onde vem a principal causa de seus males?... Se uma abelha e uma formiga, em vez de trabalhar em acordo com outras abelhas e formigas para abastecer a morada comum para o inverno, decidissem se separar e trabalhar sozinhas, elas morreriam de frio e de fome em seu canto solitário. Então por que vocês querem continuar no isolamento?... – Isolados, vocês são frágeis e terminam sufocados sob o peso de misérias de toda sorte! Então! Saiam de seu isolamento: unam-se! A união operária faz a força. Vocês têm a seu favor o número, e o número é muita coisa.” (p.67) – (“União Operária”).

A partir dessa bela conclamação aos operários e operárias, percebe-se o porquê de “União Operária” ter uma tiragem inicial de quatro mil exemplares, superando duas vezes a primeira tiragem do “Manifesto Comunista”, como observa Eleni Varikas na apresentação do livro à edição brasileira.
A estimulante ideia de Flora acerca do feminismo socialista é explicitada no capítulo: “Porque menciono as mulheres”. Nele, a escritora conceitua que libertar as mulheres da opressão é, também e, sobretudo, obra da classe operária. Para isso, faz-se necessário a união de todos os proletários para a emancipação de todo e qualquer tipo de opressão e exploração.

Acerca da situação das mulheres no trabalho, ela escreve: “É preciso considerar que em todas as profissões exercidas por homens e mulheres a jornada da operária é paga com metade da jornada do operário, ou se ela trabalha por tarefa, seu pagamento será ainda menor. Não podendo supor uma injustiça tão flagrante o primeiro pensamento que nos vem à mente é: em razão de sua força de muscular o homem faz sem dúvida o dobro do trabalho da mulher. Mas não! É justamente o contrário que acontece. Em todas as profissões em que é preciso destreza e agilidade os dedos das mulheres fazem exatamente o dobro do trabalho dos homens” (p. 117). – (União Operária).

Um ponto fundamental da obra de Tristan é: a emancipação das mulheres contribuirá para a emancipação do proletariado. As mulheres estão abaixo do proletário, são oprimidas pelos proletários, logo deve-se, primeiro e antes de tudo, arrancar as amarras da servidão da classe feminina. Com isso, a consciência da classe operária oprimida tornar-se-á extremamente difundida. Entretanto, para conseguirmos essa tão requerida etapa, é necessária a união! Hoje em dia, não só a união dos proletários e das mulheres, mas também a união de todos os povos oprimidos: negros, LGBTs, indígenas, etc. para que possamos tornar a revolução realidade, para que possamos mudar o mundo, como bem dizia a décima primeira tese sobre Feuerbach de Karl Marx: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”.

- Cauan Elias.
- Bibliografia: TRISTAN, Flora (2016). União Operária. São Paulo: Perseu Abramo.
KONDER, Leandro (1994). Uma vida de mulher, uma paixão socialista. Rio de Janeiro: Relumé Dumara.

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